domingo, 18 de abril de 2010
A solidão do Curinga
-----Um excelente livro que eu gostaria de recomendar a todos é "O dia do Curinga" de Jostein Gaarder. Trata da história de um garoto e seu pai, eles saem da Noruega rumo à Grécia para achar a mãe, Anita. A viagem é cercada de diálogos do pai com o filho sobre a razão da existência, o pensamento, o tempo, e outros devaneios. Paralelamente a essa história, é contada outra sobre um náufrago que vai parar em uma ilha povoada por anões que constituiam uma sociedade completamente baseada nas cartas de um baralho. Ao final, ambas as estórias se entrelaçam numa só, de maneira surpreendente.
-----Esse é um livro que todos deveriam ler, e ler mais de uma vez, pois, a cada leitura, temos uma nova reflexão.
-----Creio que uma das melhores refelxões que tive ao ler esse livro pode ser compreendida por meio de dois trechos, um retirado de "O mundo de Sofia" e outro do próprio livro:
"Você já pensou que num baralho existem muitas cartas de copas e de ouros, outras tantas de espadas e de paus, mas que existe apenas um curinga?"(O mundo de Sofia)
"Os muitos pensamentos e sentimentos que tomaram conta de mim naquele momento deixavam-me alegre e triste ao mesmo tempo. Eles eram os grandes culpados por eu experimentar de repente uma sensação de solidão profunda; ao mesmo tempo, de alguma forma eu sabia que aquela solidão só podia me fazer bem."(O dia do Curinga)
-----Vamos ao devaneio do dia...
-----Quem nunca se sentiu só ao começar a indagar sobre questões como o sentido da vida ou a razão da existência? Quem nunca, ao tentar começar a pensar por si mesmo, não se sentiu triste ou só?
-----Esse sentimento de solidão se dá devido ao puro e simples fato de a maioria das pessoas não pensarem. Isso mesmo, eu diria que 95% da população mundial não pensa, nunca pensou e nunca vai pensar.
-----Que o ser humano não passa de um animal superracional todo mundo sabe, mas a questão é que a grande maioria das pessoas só usa essa racionalidade avançada para resolver os problemas simples da vida, problemas como: qual a melhor roupa a se vestir, qual o melhor caminho para o trabalho, qual a melhor resposta à pergunta da prova... enfim, coisas mundanas que, querendo ou não, não acrecentam nada de mais ao nosso espirito e não deixam legado algum além da perpetuação da mediocridade.
-----Como é possível que algumas pessoas nunca tenham tentado sair da rotina mental para buscar algo além? Mesmo se não houver uma razão para a existência das coisas, e tudo, simplesmente, exista, buscar por essa verdade é algo que engrandece a pessoa de uma maneira incalculável, é algo que, de fato, nos separa de outros animais como cavalos ou vacas.
-----Esses animais são dotados de uma racionalidade menor que a nossa,
mas, ainda assim, possuem racionalidade. O que nos separaria deles, então, é a possibilidade de pensar e não de raciocinar. O que seria "pensar" então? Pensar seria uma busca pelo significado das coisas, pela essência delas, o resultado dessa busca é o pensamento. Perceba que isso não é simples racionalização, não é simples busca por padrões em meio a aleatoriedade da vida, é algo que envolve todo o seu ser, seus sentimentos, suas crenças e descrenças, além da simples racionalização.
-----O fato é que a grande maioria das pessoas não foge dos padrões normais de forma de agir, e isso não tem a ver com seguir os costumes ou não, tem a ver com buscar os próprios sentidos e razões. O que mais me intriga em tudo isso, é que, além de muitas pessoas fazerem questão de não pensar, muitas, também, reprimem aqueles que o fazem. As pessoas que buscam por um sentido da vida são mesmo tachadas de problemáticas, loucas e outras ofensas piores... por que será que agir por si mesmo é considerado algo tão ruim?
-----Creio eu, que a solidão seja a verdadeira essência do homem (os filósofos internautas que me perdoem), seja na hora de sua morte, seja durante o sexo, o ser humano se vê só, e não adianta tentar escapar disso por meio de falsa simpatia com todos, livros de auto-ajuda, técnicas que buscam "sinergia", religião, torcidas organizadas, tradiconalismos e etc... você sempre caminhará sozinho e morrerá sozinho, tal fato é muito triste, claro, mas também nos permite uma riqueza de idéias e uma compreensão absoluta do mundo.
-----A individualidade é uma benção por nos permitir uma compreensão adequada a nós mesmos das coisas, e é uma maldição ao nos condenar a uma vida de solidão... a questão toda é que muitas pessoas acabam por renegar, por opção ou pressão, o lado bom de ser sozinho, e acabam por se cercar em um mundo de explicações prontas que só fazem perpetuar o vazio que a falta de compreensão cria. As pessoas, assim, se tornam vazias e sós. Pensar por si mesmo nos faz sentir completos, ou ao menos com vontade de viver sempre em busca das coisas, embora nunca nos tire da solidão. Aqueles que pensam são os curingas do baralho, e eles têm a responsabilidade de tornar o baralho diferente, de quebrar os padrões e buscar a própria casa, uma diferente do "ouros" "paus" "espadas" e "copas"... somente o curinga pode fugir e entender o grande jogo de paciência que é a vida. Não ser um curinga é condenar-se a um mundo vazio, sem sentido e incompreensível, assim como ilustra a personagem "Nove de ouros" em um sublime comentário:
"Eu gostaria tanto de pensar um pensamento que fosse tão difícil que eu não conseguisse pensá-lo. Mas não consigo."
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Gaarder é ótimo! Não publica mais??
ResponderExcluirahahha nao tenho tido tanto tempo ultimamente
ResponderExcluirNo livro " a hora da estrela" da clarice lispector ela descreve a sua protagonista como "incompetente para a vida", porque ela não pensa. Acho que no caso dela, ela não tinha "substrato" suficiente para pensar devido ao proprio contexto em que vivia e à própria ignorância... Mas a maioria das pessoas são "incompetentes" e têm um "substrato"...
ResponderExcluirSem qualquer crítica a elas... sou mais os curingas :)
Com todas as críticas possíveis às pessoas que fazem questão de não pensar: sou mais os curingas!
ResponderExcluir